segunda-feira, 22 de março de 2010
OS CINCO HERÓIS ESCOTEIROS. 1971
Estamos nos longínquos idos de 1941. Pela antiga estrada da Ribeira cinco meninos fardados de escoteiros caminham no rumo da Capital Bandeirante de onde, a pé prosseguirão ao Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. Que querem estes garotos temerários que na extensa estrada margeada de matas virgens, abrigos de feras e malfeitores, prosseguem com suas frágeis constituições físicas, enfrentando fome, cansaço e as inclemências do tempo? Quem são esses meninos, por que fazem isso, que querem eles?
Milton Horibe, pai japonês, mãe brasileira; Manoel Antônio de Oliveira, Antônio José Gonçalves (Canário), Lídio Santos e Alberto Shtorach Júnior, todos empolgados por uma causa que lhes dá força para o prosseguimento da jornada de mais de 1.000 quilômetros a pé, levam na pequena mochila em que carregam a magra ração de seus sustentos, uma mensagem ao então Presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas. Por que fazem isso esses garotos, quando outros milhares de sua idade brincam, comem à mesa e dormem ao abrigo de suas casas em fofos colchões? Que interesses têm esses meninos na mensagem que vão levando ao presidente, afundados nas tenebrosas noites frias, enfrentando o chão duro das estradas, iluminadas às vezes pelo ribombar dos trovões, sob o açoite das tempestades?
Os meninos audazes quando daqui partiram, deixaram atrás de si, um clima de tristeza e melancolia. Antonina que até a poucos meses regurgitava num ritmo de trabalho incessante nos seus trapiches, armazéns e nas suas organizações sindicais, pára de súbito. Inexplicavelmente, o presidente da república determinara o fechamento das Companhias de Navegação Costeira e Loide Nacional, frentes de representativas de trabalho de no mínimo 60% das classes afeitas às lides marítimas de Antonina.
Centenas de famílias já se haviam deslocado para o município de Paranaguá, em cujas companhias embarcadoras foram acolhidos os mais antigos servidores, como única alternativa de manter tais empregados.
Duas comissões de homens conhecedores dos resultados ruinosos que tal decisão provocara na infra estrutura social de Antonina, já haviam viajado e inutilmente tentado contato com o presidente da república.
Por isso, o espírito daquele patriotismo antoninense e incomparável de Manoel Eufrásio Picanço, falou alto aos ouvidos dos seus pequenos escoteiros: “Só vocês, meninos, poderão sensibilizar o mandatário da nação, a ponto de fazer Sua Excelência ouvir os clamores do nosso povo. Mas vocês terão que ir a pé até lá!”. Os garotos se entreolharam e chegaram a supor que o chefe estava brincando. Sabe lá o que são mais de mil quilômetros percorridos a pé numa estrada áspera, com cobras e onças por todos os lados durante o dia e à noite, boitatá , mula sem cabeça, sacis pererês e outras assombrações que tiram o sono da gente? Mas a expressão do chefe permanecia dura e inabalável...
A estrada sem fim à frente. Chuva frio, vento e sol. São cinco pequeninos seres lançados na imensidão daquela faixa de terra. Caminham com a sola dos pés doidas pela implacável dureza do solo riem, contudo, para minorar as agruras da marcha.
Lá atrás, centenas de quilômetros ficaram, lembranças de seus amigos, de suas famílias, de suas casinhas, de sua terra. É por ela que eles prosseguem na jornada épica na luta pela redenção de sua Antonina. O presidente terá que ouvi-los. A mensagem pedindo o retorno dessas empresas para o município antoninense, como medida salvadora do desemprego e ruína gerados com essa resolução superior, vai ali, na mochila de um deles que caminha vergado pelo peso desse equipamento, com andar trôpego, incerto, como nos andares trôpegos e incertos caminham todos eles já próximos da Capital Federal. Mas há um brilho no olhar de todos. Aquele orgulho do patriota mirim que começa a sentir o toque da chama idealista pelo dever cumprido. Finalmente, o Rio de Janeiro! Finalmente., o presidente recebendo a mensagem das mãos dos bravos garotos antoninenses. Quarenta e dois dias caminhando por caminho entre selvas, estradas poeirentas, pontes, cidades. Quarenta e dois dias longe do calor de seus familiares e do conforto de seus lares, no abandono de uma estrada feia, que se parecia não ter mais fim e que, no contraste de suas minúsculas pessoas, parecia querer esmagá-los, engoli-los, para sempre...
O presidente atendeu pelo menos parte do que a mensagem reivindicava. Mandou reabrir os escritórios das mencionadas empresas que anos mais tarde acabaram fechando definitivamente. Mas o objetivo da jornada talvez sem precedente no Brasil, foi inteiramente atingido. Os escoteiros antononienses cumpriram um itinerário de 1.030 quilômetros a pé, através das localidades de Cachoeira, Praia Grande, Epitácio Pessoa, Ouro Fino, Ribeira, seguindo após pela Curitiba-São Paulo e São Paulo-Rio de Janeiro, atingindo a Capital Federal em 30 de janeiro de 1942.
(Extraído do texto original escrito pelo jornalista Admaro Santos - Jornal “O Antoninense”, edição n.º 68 de 27/01/1971 – fls.12)
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